segunda-feira, 31 de maio de 2010

Entrevista com o professor Márcio Buson, pesquisador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo




O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Márcio Buson, sindicalizado há mais de 11 anos à ADUnB desenvolove uma pesquisa que reaproveita as embalagens de cimento na criação de um dos materiais mais utilizado nas construções: o tijolo.
Confira a entrevista abaixo:

_Quando o senhor começou a desenvolver a pesquisa e como teve essa percepção?

Foi uma pesquisa desenvolvida no curso de doutorado da Faculdade de Arquitetura da UnB. Eu iniciei em 2006 e conclui em 2009. Na verdade, a idéia para a pesquisa começou durante um projeto de extensão aqui da UnB. Estávamos dando suporte técnico a treze famílias do varjão de baixíssima renda salarial. Nós fizemos um projeto de arquitetura para a produção dessas casas e as próprias famílias fizeram isso. Durante o período de fabricação dos tijolos, em um canteiro, eles usavam o solo cimento e jogavam de lado os sacos. Aquilo foi se misturando com a terra, com a chuva e se transformou em um barro. Quando fomos tirar esse material misturado, saco com barro, ele estava extremamente rígido, duro. Pensei... "quem sabe?" Propus, então, a pesquisa e ela foi aceita. Em 2006 iniciei aqui na UnB com a professora Rosa Maria Esposto, da Faculdade de Tecnologia. Fiz um estágio de doutorado na engenharia civil da universidade de Aveiro, em Portugal, com o professor Humberto Varum. Foi com o apoio da engenharia civil que eu consegui fazer o experimento arquitetônico. Estava preocupado não só em caracterizar o material, mas em usá-lo enquanto tijolo e testá-lo enquanto parede. Cheguei até o final da pesquisa construindo e quebrando várias paredes e, com uma delas, fiz um teste de resistência ao fogo. Executei uma parede de três metros de altura, composta metade de solo cimento e metade de krafterra, que ficava acoplada a um forno com temperatura acima de mil graus. O desempenho foi excelente e considerado um material corta fogo, resistindo por duas horas. A temperatura inicial era de 20º graus. Eu poderia alcançar a média de 160º a 200º graus. A faixa de BTC (Bloco de Terra Compactado), de solo cimento, chegou a 70º graus e a faixa de Krafterra chegou a 60º. Ou seja, o BTC é excelente na resistência ao fogo. A introdução das fibras de espécies do Kraft melhorou o seu desempenho, retardou a passagem de calor. Imagine isso em uma casa, com o sol lá fora, o calor vai demorar mais tempo ou nem vai chegar do lado de dentro, com a introdução das fibras. Isso comparado a um tijolo de solo cimento.

_Qual a técnica utilizada para a produção do tijolo?

Na pesquisa foi usado o BTC (Bloco de Terra Compactada). Mas esse material pode ser utilizado em várias técnicas da arquitetura de terra. No BTC, no adobe, na taipa de mão, na taipa de pilão, no cope e em outras tantas. É um material que pode ser usado de várias formas.

_Quais são os materiais utilizados para a produção do tijolo?

Nesse caso, em que o foco é o saco de cimento, basicamente terra e fibras dispersas do papel Kraft natural. A partir daí vou colocando aditivos, dependendo da necessidade. Ou um pouco de cimento, ou um pouco de cal, ou impermeabilizante, ou fungicida. Alguma coisa que, dependendo do comportamento do material, vá se misturando com esses aditivos para melhorar as características ou minimizar alguma propriedade que não está bem definida. Uma das coisas que foi detectada na pesquisa é a absorção de água. O tijolo de terra normalmente já absorve água. Quando introduzi o papel, não teve jeito, o percentual de absorção de água aumentou um pouco. Isso significa que, muito provavelmente, precisará de algum impermeabilizante.

_Como é o processo de produção do tijolo?

A primeira etapa é a da reciclagem do papel. Coloca-se o papel na água pura dispersando as fibras. O papel Kraft natural é muito resistente. O material é dispersado e as fibras são soltas. A partir daí, não se tem mais o papel e sim as fibras ou polpa de celulose como chamamos. Em seguida, retiro o excesso de água dessa polpa e disperso as fibras para ficarem bem soltas. Em seguida pego as fibras soltas e misturo com o solo, compactando na máquina, para produzir o BTC, ou misturo com o solo e adenso numa forma para adobe, ou faço essa mistura e aplico direto na parede.

_Quais as vantagens desse tijolo em relação ao tijolo comum?

O tijolo mais comum é o tijolo cerâmico, aquele com oito furos. Na sua produção já existe uma enorme diferença. O tijolo cerâmico é composto também de barro e terra, só que com um percentual de argila um pouco maior. Eu pego este material, produzo em um forno e queimo para transformar em cerâmica. Então, só a parte da queima já consome um mundo de recursos naturais, muita energia, carvão, ou eletricidade. O BTC não tem a queima, por isso é até comercializado como tijolo ecológico. É um tijolo que não passa por queima. Eu pego os constituintes dele misturo e deixo secar, apenas. Não é preciso queimar. O Krafterra também já tem toda a questão ecológica, ambiental e de reciclagem de resíduos sólidos da indústria da construção civil. Em 2008, o sindicato nacional da indústria do cimento publicou em um relatório que só naquele ano foram despachados no Brasil cerca de 647 milhões de sacos de cimento de 50 quilos. Então, utilizando um saco de cimento para cada tijolo, eu poderia, entre aspas, produzir 647 milhões de tijolos. E este é um material que não vai parar de ser produzido. Estou apenas falando de sacos de cimento. Existem sacos de argila, de argamassa e outros tipos de embalagens que utilizam o papel Kraft natural. Com a introdução das fibras eu reduzo a quantidade de estabilizante, usualmente utilizada nesses tipos de tijolos.

_Quais as vantagens para o meio ambiente?

As toneladas e toneladas de sacos de cimento, que deixam de ser jogada na natureza podendo ser reaproveitada e se transformando em um novo material. Isso é essencial. Se é possível fazer uma casa com o mesmo material que já está ali naquele local, por que não? Eu elimino o transporte e vários outros componentes que resultarão em um produto ecológico se comparado a outras técnicas de construção. É um material básico, ecológico. Tem a questão da reciclagem, que elimina várias etapas da produção na construção. Somando tudo isso, esse tijolo pode ser considerado um material econômico sustentável.

_O tijolo já está sendo comercializado?

Não. Por ser pesquisador de uma universidade federal, acho que é minha responsabilidade não só colocá-lo no mercado de uma forma segura, mas também após uma verificação em condições naturais, reais. Todos os experimentos feitos até hoje, foram em laboratório. Primeiro é preciso produzir um protótipo, construir uma casa e expor ao sol, à chuva, ao vento, à umidade do solo, ver se terá fungo, mofo, bolor, enfim, como será seu comportamento no dia-a-dia.

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